quarta-feira, 26 de maio de 2010


Sossega, coração! Não desesperes!
Talvez um dia, para além dos dias,
Encontres o que queres porque o queres.
Então, livre de falsas nostalgias,
Atingirás a perfeição de seres.

Mas pobre sonho o que só quer não tê-lo!
Pobre esperença a de existir somente!
Como quem passa a mão pelo cabelo
E em si mesmo se sente diferente,
Como faz mal ao sonho o concebê-lo!

Sossega, coração, contudo! Dorme!
O sossego não quer razão nem causa.
Quer só a noite plácida e enorme,
A grande, universal, solente pausa
Antes que tudo em tudo se transforme.

(Fernando Pessoa)

quinta-feira, 20 de maio de 2010

Reflexos


Nas poças de chuva que a rua enfeitam
há um milhão de coisas:
um alto edifício com um velho à janela,
um ramo frondoso com suas mil folhas,
dois pombos cinzentos em encontro amoroso,
um vaso de flores que a senhora observa,
as nuvens bojudas, percorrendo o céu
e a folha dourada que o plátano larga,
que vem a voar, flutua e poisa
serena, confusa, no mar...

E, então, se te chegas mais perto,
estendendo a mão para o barco alcançar,
é o mundo que eu vejo na poça de água,
magnífico, fascinante, reflexo vibrante
do teu puro olhar.

(Ilona Bastos)

quarta-feira, 12 de maio de 2010

Quero


Quero que todos os dias do ano
todos os dias da vida
de meia em meia hora
de 5 em 5 minutos
me digas: Eu te amo.

Ouvindo-te dizer: Eu te amo,
creio, no momento, que sou amado.
No momento anterior
e no seguinte,
como sabê-lo?

Quero que me repitas até a exaustão
que me amas que me amas que me amas.
Do contrário evapora-se a amação
pois ao não dizer: Eu te amo,
desmentes
apagas
teu amor por mim.

Exijo de ti o perene comunicado.
Não exijo senão isto,
isto sempre, isto cada vez mais.
Quero ser amado por e em tua palavra
nem sei de outra maneira a não ser esta
de reconhecer o dom amoroso,
a perfeita maneira de saber-se amado:
amor na raiz da palavra
e na sua emissão,
amor
saltando da língua nacional,
amor
feito som
vibração espacial.

No momento em que não me dizes:
Eu te amo,
inexoravelmente sei
que deixaste de amar-me,
que nunca me amastes antes.

Se não me disseres urgente repetido
Eu te amoamoamoamoamo,
verdade fulminante que acabas de desentranhar,
eu me precipito no caos,
essa coleção de objetos de não-amor.

(Carlos Drummond de Andrade)

terça-feira, 11 de maio de 2010

Este é o inverno


Um frio de leve
vem pra ficar.
A brisa suave
faz a árvore balançar.
O vento sopra
assobiando.
O céu escuro
vai ficando.
As nuvens passam
de mansinho.
A chuva chega
devagarinho.
As pessoas correm
abrindo guarda-chuvas.
Vi um homem de casaco
e uma mulher de luvas.
É esse o inverno
sorrateiro.
Vem chegando
e nem avisa primeiro.

(Clarice Pacheco)

quarta-feira, 5 de maio de 2010

Existe um Lugar


Existe um lugar onde se descansa!
Onde se guarda coisas boas!
Onde se pode descrever o coração e a alma!
Existe um lugar onde as letras se soltam!
Onde a poesia dança!
Onde o amor se faz entre poeta e poesia!
Existe um lugar de verdades plantadas!
De identidade reconhecida!
Lugar onde a Arte se deixa brincar!
Onde a brincadeira é só para emocionar!
Existe um lugar onde não existe palco único!
Onde o principal é o conjunto!
Onde os elogios são estimulantes!
Onde se entra e não se deseja sair!
Existe um lugar com cheiro de gente feliz!
Com poetas e poesias que vivem da verdade!
Existe um lugar onde os criadores se rendem as suas criações!
Onde se admira a palavra “dom”!
Onde a simplicidade cria raiz para virar inspiração!
Existe um lugar onde se nasce!
Renasce!
Cria-se!
Cresce-se!
E Ama-se muito tudo que se faz!
Esse lugar é aqui!
Tire os chinelos então...
Balance as asas!
Respire fundo e viaje conosco.!

(Mony Mello)